PRIVATIZAÇÃO DA MORAL PÚBLICA: COMPROMETENDO O FUTURO
Luciano Martins Costa
Privatização
da moral pública
A impossibilidade eventual de sair batendo perna pela
cidade (já que este observador se encontra temporariamente com pouca mobilidade
física) abre a oportunidade para a bisbilhotagem continuada, por longas horas,
das redes sociais digitais.
E o que se vê, basicamente, é a construção de um
abismo onde deveriam vicejar naturalmente novos vínculos sociais e onde antigos
vínculos podem ser retomados e reanimados pelo encontro virtual.
Aparentemente, após três dias de imersão nas redes
sociais, pode-se concluir que a imprensa brasileira está trabalhando ativamente
na desconstrução do conceito de sociedade democrática.
Ao se colocar agressivamente contra determinadas
figuras da República, usando critérios diferenciados para fatos similares, as
principais empresas de comunicação do país estabelecem um padrão para o
jornalismo sobre o qual um dia haverão de ser cobradas.
Esse padrão é composto por elementos de preconceito e
manipulação, mas apresentado sob o manto virtuoso da defesa da moralidade
pública.
A palavra mágica é, como sempre, ética.
O contexto, porém, é o dos tribunais de inquisição.
Dois presidentes da República.
Um deles foi acusado de comprar apoio no Congresso
para fazer aprovar o direito de disputar a reeleição.
O outro, tendo a possibilidade de se reeleger quanto
quisesse, cumpriu a lei e deixou o poder.
Para um, o olhar da imprensa é complacente. Afinal,
ele estabilizou a moeda, reorganizou o sistema financeiro, atuou dentro dos
paradigmas do mercado.
Para o outro, a lei.
Mas não apenas a lei aplicada pela Justiça:
principalmente a lei do arbítrio, quando a sentença é anterior ao julgamento.
Considerem-se apropriadas todas as decisões tomadas
recentemente pelo Supremo Tribunal Federal no caso chamado de mensalão. Ainda
assim, nada justifica a sanha da imprensa, em ataques pessoais, a não ser um
ódio que precede o caso em si.
Ao abandonar a linguagem jornalística apropriada para
adotar o discurso político, a imprensa induz boa parte da sociedade a adotar
retórica semelhante, com o que, então, se dá adeus à racionalidade.
Um dos resultados pode ser a ruptura do tecido
social.
Comprometendo
o futuro
Mas há uma ironia nessa história: observando-se
manifestações nas redes sociais, parece que a parcela de opiniões críticas
sobre esse desempenho da imprensa cresce mais do que aquela parcela que
compartilha as opiniões do noticiário editorializado.
O tema está a merecer uma pesquisa de comunicadores,
mas pode-se afirmar que o campo político onde se situam aqueles que discordam
da imprensa se transformou em terreno minado onde nunca mais haverão de brotar
assinaturas desses jornais e revistas e onde a publicidade veiculada nessas
mídias tende a produzir efeito negativo para os anunciantes.
São decisões editoriais que comprometem o futuro da
mídia tradicional, e o principal erro da imprensa tem sido quanto ao
uso de seu suposto poder de influenciar pessoas: não é de hoje que
pesquisadores como o britânico Paul Johnson (católico e conservador) observam
que a manipulação de imagens em favor de interpretações preconcebidas, antes um
vício da televisão, acabou dominando a mídia impressa.
Há mais de dez anos, Johnson já dizia que os pecados
típicos da imprensa tradicional quando ela começou a se apropriar das
tecnologias digitais de informação e comunicação eram preconceito, manipulação,
precipitação e editorialização.
A observação da imprensa brasileira faz lembrar uma
das frases mais emblemáticas criadas por Paul Johnson nesse período: “A mídia é
uma arma carregada quando utilizada com hostilidade”.
Hostilidade e agressividade são as palavras centrais
para descrever o conteúdo jornalístico que tem sido oferecido aos leitores e
telespectadores nos últimos anos, no seu esforço desenfreado e irracional para
criar e aprofundar uma divisão na sociedade brasileira.
Preconceito, manipulação, precipitação e
editorialização são expressões que ficam mal dissimuladas sob o discurso moralizante
que domina a linguagem jornalística.
A denúncia dos maus procedimentos, a fiscalização dos
poderes, o papel essencial da imprensa, de organizar a agenda pública para
manter em evidência os valores fundamentais da vida republicana implicam em equilíbrio
e algum compromisso com a busca da verdade.
O que se vê, claramente, é o uso político de
informações fora de contexto, em nome da ética.
Não se trata, nesse sentido, de ética propriamente,
mas de moralidade, expressão definida especificamente na Constituição
brasileira.
Trata-se, claramente, de um processo de privatização
da moralidade pública.
COSTA, Luciano Martins. Privatização
da moral pública: comprometendo o futuro. Observatório da Imprensa. São Paulo, 13
dez. 2012. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/radios/view/gt_gt_privatizacao_da_moral_publica_lt_br_gt_gt_gt_comprometendo_o_futuro.>.
Acesso em: 18 dez. 2012.
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